UMBU


Se confunde na reminiscência
o Umbu e o Zé
o Umbu velho
o Zé Gandaia negro amigo
de cabelos brancos
do tempo da Lei Áurea

A árvore livre
liberta
O negro homem
de ventre livre
livre
a olhar a imensidão
com conhecimento

Gostava de mim, muito mais do que eu do Umbu,
que não compreendia
e só queria explorar
cravava-lhe facas, facões, incontáveis vezes,
a minha pontaria certeira,
com tenência adquirida;
eu, menino orgulhoso,
e o velho, olhava,
ria,
me amava,
era meu pai, meu avô, meu irmão.

Sentado na pedra, perna cruzada,
à moda de quem pita um palheiro,
mas não fumava não, respirava somente o ar puro,
de quem já aprendeu a humildade
de postar-se sem angústias em frente ao Criador.

O Umbu
O velho
meus dois amores de infância.
O vegetal imponente acariciava-me o íntimo,
tudo permitindo, ali no pátio do tio Marçal.
O velho amigo me induzia confiança com seu sorriso matreiro e esperto.

Andava nos pátios
compreendia a todos
fazia o seu fogo,
o seu mate,
tinha garantida a sua bóia,
por condição natural, pois
impôs-se com ser, não precisava de carteira assinada,
não sabia o que era aposentadoria. Vivia e respeitavam-no como a ninguém.
Era livre, mas somente ele o sabia; nós outros, eu, pelo menos,
só soube depois, alguns anos depois, após ter-me defrontado
com algumas agruras da vida.

E o Umbu?
Não sei.
Se eu fosse um gaúcho de verdade eu tinha que estar fazendo uma poesia métrica, perfeita, daquelas de pendurar na parede, o título destacado: VELHO UMBU, e ele, que verdadeiramente amo, desenhado ao fundo, a sua casca macia, amiga, seus contornos bom de afagar, seus galhos, gostoso de abraçar e segurar, mas não consigo, vem a imagem do velho, do negro meu querido Zé Gandaia (José Gandaia), assim pus no convite do casamento, que sei que ele gostou, e chorou, como eu choro agora, de saudades e de amor de abraçar e estreitar no peito.

A imagem do velho sobrepõe-se,
ele na frente, o Umbu atrás.
São distintos, mas estão juntos.
Eu que os faço juntos, como se o Umbu fosse a sombra do Zé, militante dos pátios, varredor de folhas, trazedor dos gravetos para as lareiras e os fogões da vida, representante de um tempo em que a aposentadoria dos campeiros era ainda um presente bom, se exprimia por um trabalho, por demonstrar-nos que somos todos necessários, mesmo velhos, que não somos destinados a apodrecer em asilos, inúteis, sem finalidade, e que não importa uma carteira assinada, uns pilas do INPS, se não nos necessitam mais.

Tempo bom
Do velho e do Umbu
Tempo meu, do meu Sul,
do meu Rio Grande do Sul.


Poema publicado no REMEMORO. Meu promeiro livro - edição independente, no capítulo KAMPARA MOMENTO (momento rural). Uma experiência e tanto, com os seus quinze minutos de glória e tudo.


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