BAR DO ARTURITO


Tinha que buscar um maço de Belmonte. Ou de Elmo! Uma carteira de Continental ou Holywood, todos sem filtro, que isso não existia naquela época, para o pai ou para qualquer adulto que nos pedisse, ir buscar no Arturito, quando nos interessamos tanto por aquelas carteiras de cigarros, tão lindas, coloridas. Passamos também, por moda, a coleciona-las, vazias, até que uns inventaram de fazer cintos com as carteiras. Eu mesmo nunca consegui! Interessei-me mais por aprender a fumar logo e sentir-me homem, e jamais os adultos poderiam imaginar o impacto que o Bar, os violões, o bandolim, o cavaquinho, as mesas de bilhar, os rótulos coloridos das garrafas, o cheiro de batata-frita, a intimidade da boemia, iriam influir na minha vida.
Era uma mistura de bolicho de campanha - pois tempos atrás, antes do calçamento de paralelepípedos, ainda tinha um pedaço do pau de amarrar os cavalos, na frente - com um café citadino; uma porta na frente, bem na quina da esquina, e outra lateral; a da frente dava imediatamente para as duas mesas de bilhar, uma de Cassino e outra de Carambola, com bastante espaço para os jogadores e muitas cadeiras em volta, encostadas nas paredes, para os espectadores e apostadores (esse espaço lembrava Clube), quase todos da classe popular ou gente da campanha, que vinham para um trago, um tango, um jogo, respirar a cidade, arriscar um tudo no jogo da vida, enquanto que a porta lateral era mais usada para as compras no balcão, que ficava para o fundo do Bar.
Estava numa esquina da General Osório, defronte do Açougue, de um lado, e da casa da turca, de outro, minha futura namorada, filha da Helena Estrela e do Hassain. O Arturito é um tipo corpulento, daqueles que venceu, talvez, como bolicheiro de campanha e veio se instalar na cidade, dando condição aos filhos de estudar, muito simpático e super sensível à musica: tocava bandolim, e bem, sabia solar inúmeras valsas e serestas incontáveis, não se rogava nunca se pedissem para tocar alguma, e, em qualquer hora do dia ou da noite, puxava o bandolim debaixo do balcão, em meio a um atendimento e outro, e podia lascar o Mano a Mano ou A Última Inspiração, do Peterpan. Do balcão largo, se via logo aquela porta chamativa, mais para os iniciados, que dava para o pátio lateral interno e para a cozinha, nos fundos, para outras dependências da casa, que se mantinha aberta somente nas tardezinhas, na hora do aperitivo e dos violões.
Eu chegava no balcão e via tudo isso, algumas vezes me aproximava da porta que dava para esse alpendre interno onde se sentavam geralmente dois violonistas - um era sempre o negro Pascácio e até o cego Dorado aparecia para tocar violão; outro tocava cavaco e o Arturito manejava o bandolim. Quase nunca se cantava, era um conjunto de cordas, com muito solo e bom acompanhamento, muita alegria sem alardes, que se materializavam nos sorrisos suaves de quem tocava e dos que ouviam. No resto do Bar a vida continuava normal, com o jogo sendo disputado com absoluta concentração, o barulho do giz nos tacos, as bolas grandes derrubando os cinco pauzinhos de puro marfim do centro da mesa de Cassino, o filho do Arturito dando a cobertura no balcão para o pai tocar naquela hora do Ângelus.
Peguei um violão antigo na casa da tia Edina Torino, defronte das Patellas, e não descansei enquanto não tirei um pedacinho do Mano a Mano, numa corda só - ou na bordona, ou na prima - pois não conseguia passar de uma para outra corda e além do mais o violão estava completamente desafinado. Cheguei no balcão do Bar e lasquei: — Eu toco! — Pois não é que o Arturito acreditou em mim, e me respeitou, quando eu mostrei a besteira que eu disse que sabia! Noutro dia, estava novamente a olhar os músicos e o Arturito, boca de riso farto, tirou a cadeira assim para trás, deixando-a em duas patas, e disse pra toda a turma: "esse guri toca, dá um violão pra ele que a próxima ele vai acompanhar". Meu amigo, eu nem sei como sobrevivi! Os meus pés, sentado, não tocavam no chão, o violão era enorme para o meu colo, mas ele disse: — Olha pra mim e faz o que eu faço! — deu o bandolim para outro tocar, pegou um dos violões e lá fomos nós, eu olhava e perseguia o homem, suava, levava um tempão para acomodar os meus dedos no lá menor e passar para o mi maior, que eles chamavam de segunda de lá menor, quase não conseguindo espichar os dedos no tanto para compor o dó maior de gavetão.
Andei sempre atrasado, mas o olhar confiante e o sorriso matreiro e arteiro do Arturito me fizeram ir até ao fim. Daí para frente, passei a tocar violão, da boca-pra-fora, claro. Verdade que aperfeiçoei bastante ao longo da minha vida, mas até hoje conheço as minhas deficiências intrínsecas nessa arte. Enganei a muitos ignorantes da música, na minha mocidade, engambelando-os com chavões como Malagueña e Granada, enganei-me a mim mesmo, perseguindo solos e mais solos, impossíveis para mim, e sempre perdurou aquela minha dificuldade, que descobri naquele momento, olhando e perseguindo aflito o Arturito, que era aquela coisa de não saber a hora certa, exata, de trocar o acorde, e para qual deles, e não teve remédio, só cresci um pouco, verdadeiramente, no violão, quando desci do meu orgulho de improvisador fracassado e passei a estudar. Toco por música, hoje, na linguagem mais simples, ou popular, não havia mais tempo para o aprendizado correto da música clássica, na linguagem universal e bela das harmoniosas bolinhas pretas das pautas e partituras musicais, estava velho, derrotado pela indisciplina boêmia, Villa Lobos não seria jamais para mim, e choro, em meu íntimo, por isso, mas, aprendiz da vida...

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