CRÔNICAS DA ALMA

Sinto-me sempre em trânsito, deste muito tempo. Às vezes parece que vou aterrar, confiar novamente, como na minha infância, mas é engano, voltam-me nostalgias de não sei que – coisa ridícula!
Tenho inveja dos normais, mas só rapidamente, pois os normais são insuportáveis, como todo mundo sabe. O que acontece é que fico sempre entre uma coisa e outra; algo maravilhoso aparece na minha mente e a minha maldita criatividade logo inventa mais oito alternativas fantásticas. Mas a vida, em geral, é muito boa, desde que não se questione demais o mundo.
Sabedoria é uma coisa perigosa. Já se viu intelectual que não seja depressivo? A porta de saída (ou de entrada) é a transcendência, sei. O problema é que a chave dessa porta tem os seus segredos e mistérios.
Pensar, sentir e agir em equilíbrio não tem sido a minha especialidade. Se eu não fosse tão transparente, tipo livro aberto, eu poderia enlouquecer mais um pouco e ganhar (ou apenas participar) de uma Bienal, ou escrever uma historia ao estilo de Kurt Vonegut Jr. Isso seria glorioso - loucura combina com talento.
Comigo combina o tango e o bandoneon. Então eu penso em aprender a ler partituras. Que facilidade eu tenho (sempre tive) de perder tempo! A música é outra porta do transcendente. Soube que existem seres, entidades, puramente música, feitas de música. Pois é, loucura mesmo, seres que não necessariamente tenham sido humanos alguma vez, ou que possam vir a ser – humanos. Eu acredito.
Por causa dos nós que sinto no coração. Falo coração por não encontrar palavras. Poderia ser alma. Conseguir transcender a matéria e tornar-me unicamente música! Argentina, brasileira, uruguaia, cubana, clássica, andina, apenas música! Com liberdade total de estagiar em todos os sons e ritmos do universo. Eu queria. Poderia viajar até um pequeno rádio de pilha e qual labareda de fogo, sair dele e lamber o coração e as lágrimas de uma jovem e bela camponesa que chora sei lá por que, talvez por ter perdido o namorado. Revolutear espiralando em busca do primeiro violino de uma orquestra sinfônica regida por Osawa, ser cada instrumento, imiscuir-me em cada fluxo ou ritmo que tenha som, ser som... ser o OM!
No entanto, estou voltando agorinha mesmo ao ritmo e ao som da minha própria respiração e observo, de soslaio, pelo olho e pelo ouvido, esse tango que toca no meu super moderníssimo aparelho de som – não posso deixar de pensar, sorrindo, na minha antiga vitrola (toca-discos) que era um móvel enorme, tão grande quanto a antiga escrivaninha, ambos no escritório da casa do meu pai, em Santa Vitória do Palmar, e o número do nosso novíssimo aparelho telefônico, recém instalado era 63 – bem, talvez 69.

Um comentário:

  1. Oi José Vitor! Que ótimo que os mergulhões espalhados pelo mundo estão se encontrando e divulgando seus trabalhos. Adorei o teu blog. Vou colocar um link no Grito das Palmeiras. Estou aqui fazendo cobertura da Febutiá que acontece até domingo. É o surgimento de mais um espaço para as nossas palmeiras de butiá. Temos que fazer um encontro dos mergulhões culturais qualquer dia desses. Um grande abraço. Guacira

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