O CANTO DO João DE BARRO


As vezes um sentimento inexplicável que está além da alegria ou da saudade me invade, quando escuto o canto de um pássaro. Não um pássaro qualquer, mas o canto do João de Barro, da “forneira”, do pássaro pedreiro, construtor. Quando ele canta, toda a minha infância reaparece instantaneamente e com ela o cheiro dos verdes campos do pampa, dos matos que dão abrigo ao gado e às ovelhas, das sangas que conduzem as águas aos arrozais, da vida como ela deveria ser sempre, sentida pelo coração de uma criança, cheia de confiança em si mesma e nos outros, pois não há divisão entre ela, o pássaro, a paisagem, os outros e todo o universo. A unidade!
Esse é o canto que movimenta a magia em mim. É uma associação mágica. Deduzo que se eu escutasse mais vezes esse canto, certamente esse sentimento divino estaria comigo mais vezes, e isso seria ótimo para mim e para os outros, que se relacionam comigo. Só que eu quase não escuto mais o amigo João de Barro. Não há mais espaço para ele nas grandes cidades. Será que no campo, com a invasão das máquinas e outros “instrumentos do desenvolvimento” ele também tem perdido terreno? Eu não sei exatamente, mas estimo que sim, embora numa velocidade bem menor que nos centros urbanos.
O mundo atual caminha para a desagregação, algo contrário à unidade e à própria natureza e que atualmente se expressa em tudo isso que a gente sabe e vê como o aquecimento global, a escassez de combustíveis, o terrível contraste entre a riqueza e a pobreza, essas coisas sabidas por todos. Quem procura sair da doença do mundo moderno, sem se deixar enganar pelas miragens ilusórias dos últimos modelos de aparelhos celulares, das telas planas ou, pior ainda, os comprimidos de ecstasy e correlatos, busca, na meditação, ou em estados meditativos, um retorno ao canto do João de Barro – no meu caso, claro. E você, qual seria o seu “canto do João de Barro”? Deve ter algum. Pensa! Não se distancie demasiadamente dessa magia, ou vai virar máquina, que depois se transforma em sucata.
Os indianos – pelo menos uma grande maioria deles – sabem de um segredo que eu já capturei. Dizem que “Deus é um só, mas tem mil caras...” Foi daí que eu descobri isso, que quando Deus fica condoído de mim e quer passar a mão na minha cabeça, Ele se transforma em João de Barro e canta para mim.

Um comentário:

  1. Oh, Zé...que lindo! Deus te acaricia com o canto do João de Barro. Uma imagem muito linda. Adoro isso!! Parabéns.

    Danielle

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