A MANSÃO DOS RAMOS

Prédio do Badesc - tombado, próximo a antiga Mansão dos Ramos - contemporâneo
A última árvore, o último reduto de vida naquele lugar, havia caído, derrubada pelas máquinas do concreto. O sol estava quente e bonito às dez horas da manhã. Da minha janela eu observo o canteiro das três obras simultâneas que são agora a antiga mansão do governador já morto mais famoso de Santa Catarina: O Dr. Celso Ramos.
Quando ele chegou... chegou nervoso e falante, pousou na minha janela com uma folha seca no bico e um olhar indignado. De tanto esbravejar no seu cantar palrador e irritado deixou a folha cair, mas sem desgrudar seus olhos de mim, sem dar importância à folha.
Aproximei-me lento e lhe disse algumas palavras, numa tentativa de consolá-lo. Minha companheira, vendo a cena, foi dura conosco, prática e fatal, comigo e com o pequeno pássaro de peito amarelo e muito meu conhecido, pois nos víamos sempre, eu da nossa casa, ele da dele, na última árvore que tombara, grudada à uma pequena gruta da família Ramos que escapara da histórica destruição da mansão.
A gruta sentiu o impacto dos tratores já há alguns meses, debaixo de poucos olhares e também do meu, dessa mesma janela - meu posto de observação. A gruta de pedra também foi abrigo de outras vidas, irregulares - as humanas - pois nela viveu um bêbado que recebia visitas de amigos, do álcool e do fumo, e que vez por outra era apedrejado pelos adolescentes moradores das imediações.
Das centenas e centenas de pássaros de diferentes bandos que habitavam o lugar, não vou falar.Quando, exatamente, o bêbado partiu, eu não vi, mas o último pássaro foi embora após apertar meu coração até doer uma dor física mesmo. Não adiantou nada dizer-lhe que eu não tinha culpa, que eu não tinha nada a ver com essa sanha destrutiva e de avidez mercenária que tomou conta do planeta Terra, pois soube perfeitamente, pelo tom do seu chilreio e a indignação do seu olhar, que ele falava conosco, com todos nós, a nossa bela humana raça desumana.

Um comentário:

  1. Opa, Azebita, esse não conhecia. Mas quão fundo consegues ir em tão pouca linhas, amigo. É de ficar atento aos próximos tombamentos, via máquina, que acontecem a torto e a direito, sem aviso, mas os pássaros nos avisam sempre! Pássaros que voam, flanam e andam sobre os pés, porque uma escrita pode elevar a gente: taí a prova, descrita. Débeis são nossos gritos; secos, partidos, sofridos porque tantos e mudam só um pouquinho de gente, mirrados humanos que deveriam ser tantos! Condicionados, arquiteturas, jardins, pinturas, culturas, tudo junto deveria resultar em coisa boa, não tem? Então algo falhou aí nessa história, mas de falha em falha chegaremos lá, deixa... Abração, Renato Rizzaro.

    ResponderExcluir